Você sabe o que é Inteligência Espiritual?

Meu interesse pelo tema da Inteligência Espiritual (SQ) se iniciou em 2012, depois de comprar e ler em poucos dias o livro de mesmo nome do autor espanhol Francesc Torralba (Barcelona, 1967) [1]. Com o desenvolvimento e o compromisso diário com uma determinada prática espiritual desde 2010, comecei a integrar duas importantes dimensões da minha vida (a profissional e a espiritual), de forma silenciosa no ambiente de trabalho e de modo mais genuíno e aberto com meus comportamentos e ações nas esferas sociais e familiar. Entretanto, isso não me satisfazia completamente.

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Ao me tornar Profissional Gerente de Projetos (PMP®) em 2018, enxerguei a possibilidade de trazer o conceito de SQ para o ambiente profissional. Ingressei no 5º Ciclo do Programa de Mentoring do capítulo do Rio de Janeiro do PMI para estudar o tema ”O papel e as competências do Gerente de Projeto” na Área de Conhecimento Gerenciamento da Integração durante 12 semanas, período no qual eu deveria pesquisar os temas de Inteligência Emocional e Liderança Transformacional para tentar compreender de que maneira eu poderia criar uma ferramenta ou metodologia que auxiliasse na transformação pessoal e profissional de meus clientes. Entretanto, o desejo de incluir no escopo do trabalho o tema da Inteligência Espiritual não me deixava. Eu precisava – por conta da solicitação do programa – apenas encontrar argumentos profissionais e acadêmicos para isso. Como o objetivo final da mentoria era a publicação de um artigo científico, certamente durante a pesquisa eu encontraria como fundamentar minha hipótese de que é possível – sem falar de religião ou crença – trazer a tona questões como propósito e missão de vida, valores, transcendência, comprometimento com crescimento pessoal e espiritual, a capacidade de abraçar o mistério e os paradoxos da vida, e principalmente, mais amor e compaixão. E assim aconteceu. Durante a revisão bibliográfica, muitos foram os frutos colhidos. Um pouco do que li, trago aqui nesta publicação.

Inteligência Espiritual é um conceito relativamente recente e não existe consenso em relação à sua definição. Alguns autores não concordam com a denominação dessa dimensão do ser humano como sendo uma inteligência e outros não diferenciam Inteligência Espiritual e Espiritualidade, utilizando em seus escritos ambos os termos indiferentemente, ou seja, representando a mesma coisa. Mas afinal, o que é Inteligência Espiritual? Do que se trata e quem são estes autores?

Robert A. Emmons da Universidade da Califórnia, em um artigo publicado no ano 2000 a convite da revista “The International Journal for the Psychology of Religion” indaga já no título se Espiritualidade é uma Inteligência.[2] Emmons define Espiritualidade como “um conjunto de capacidades e habilidades que permitem às pessoas resolver problemas e alcançar objetivos na vida cotidiana” e identifica cinco componentes de Inteligência Espiritual: a capacidade de transcendência; de entrar em estados espirituais elevados de consciência; de dotar atividades cotidianas com um senso de sagrado; utilizar recursos espirituais para resolver problemas; e envolver-se em comportamento virtuoso para mostrar perdão, expressar gratidão, ser humilde e demonstrar compaixão. O artigo explora, de acordo com a primeira frase nele publicada, “espiritualidade como uma forma de inteligência”.

A mesma revista apresenta outros três artigos, sendo dois de diferentes autores conversando com Emmons, num maravilhoso debate acerca do conceito que eu buscava compreender.

Howard Gardner, psicólogo de Harvard conhecido por sua Teoria das Inteligências Múltiplas, responde a Emmons com “Um caso contra a Inteligência Espiritual” [3]. A teoria de Gardner ficou famosa com o livro de sua autoria de 1983, lançado no Brasil em 1994 com o título “Estruturas da Mente: a Teoria das Múltiplas Inteligências” [4]. Neste livro, Gardner descreve sete inteligências: a linguística, a lógico-matemática, a musical, a cinestésica (corporal), a espacial, a intrapessoal e a interpessoal. Estas duas últimas representam o que passou a ser conhecido como Inteligência Emocional. Anos depois o autor acrescentou duas outras inteligências: a naturalista e a existencial. Sua percepção é de que não se pode considerar espiritualidade como uma inteligência, pois isso depende de critérios e definições ainda não suficientemente desenvolvidos. E que Emmons tende a unificar “aspectos diferentes de Espiritualidade com facetas de Psicologia” e que há vantagens em separar tais aspectos. Ele explica que aqueles ligados “à experiência fenomenológica, valores desejados e comportamentos deveriam ser considerados externos à esfera intelectual”, portanto, para ele, espiritualidade não é uma inteligência e o que ele havia considerado como a nona inteligência – a existencial – abrange apenas alguns aspectos do que os seres humanos consideram como preocupações de ordem espiritual.

O terceiro artigo, escrito por John D. Mayer do Departamento de Psicologia da Universidade de New Hampshire, traz ao invés de respostas, mais uma pergunta e torna o debate teórico ainda mais rico: trata-se de inteligência ou de consciência espiritual? [5]

Para Mayer, a “ideia de consciência espiritual deriva da possibilidade de se estruturar através de meditação, contemplação e outros meios a consciência, de modo que seja possível focar na unidade, em estados transcendentes e preocupações-fim”. A revisão de linguagem que ele sugere na terminologia usada por Emmons transforma a descrição de uma capacidade mental efetivamente na realização daquilo que a capacidade descreve. Desse modo, as cinco habilidades originais passariam a ser: alcançar a unidade do mundo e transcender a própria existência; conscientemente entrar em estados espirituais elevados; dotar atividades diárias, eventos e relações de um senso de sagrado; estruturar a consciência, de modo que os problemas sejam vistos no contexto das preocupações-fim; e desejar agir e conseqüentemente, agir de modo virtuoso, para perdoar, expressar gratidão, ser humilde e compassivo. Ao longo do texto, o autor indaga qual seria a diferença entre encontrar uma nova inteligência e simplesmente rotular algo como uma inteligência. E comenta que a proposta de Emmons, em sua opinião, ainda não satisfaz o critério de envolver raciocínio abstrato e, portanto, não deve ser considerada uma inteligência.

Emmons vê os artigos como encorajadores e desafiadores. “Dada à diversidade de experiência e campos de especialização dos autores (educação e psicologia cognitiva, psicologia da personalidade e estudos religiosos) não é de surpreender que cada um tenha levantado preocupações únicas sobre o conceito de inteligência espiritual”, diz, e responde separadamente a cada um, apontando as possíveis convergências entre os artigos, focando no que acredita ser mais central para o status futuro da “espiritualidade como uma inteligência”.[6]

Como visto até aqui, o tema é instigante e só me abria possibilidades em direção ao desenvolvimento de capacidades e habilidades ainda não exploradas no contexto profissional, em ambientes de trabalho.

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Abordo agora alguns autores que distinguem os conceitos de Espiritualidade e Inteligência Espiritual, com os quais eu mais me identifiquei. Em minha opinião, a dimensão espiritual do ser humano deve ser considerada uma inteligência, pois assim como nossas outras inteligências, pode ser desenvolvida.

Para Danah Zohar e Ian Marshall (1999/2000), Inteligência Espiritual é aquela “com a qual tratamos e resolvemos questões de sentido e valor; colocamos nossas ações e nossas vidas em um contexto mais amplo, mais rico e significativo; com a qual definimos se um determinado curso de ações ou caminho de vida é mais dotado de sentido do que outro”. Zohar e Marshall escreveram vários livros trazendo conceitos da física, filosofia, psicologia, neurologia e sociologia; alguns destes foram traduzidos para o português, dentre os quais destaco SQ: Inteligência Espiritual[7] e Capital Espiritual [8]. Para a dupla de autores, Espiritualidade é “estar em contato com algo maior, mais profundo e rico que coloca nossa situação limitada do presente em uma nova perspectiva”.

Frances Vaughan, doutora e psicóloga da Califórnia, em um artigo publicado em 2002 no “Journal of Humanistic Psychology”[9] escreve que Inteligência Espiritual “se preocupa com a vida interior da mente e do espírito e sua relação com o estar no mundo; implica em uma capacidade de entendimento profundo de questões existenciais e insights dentro de vários níveis de consciência; e implica também em uma consciência do espírito como base do ser ou como a força de vida criativa da evolução”. Para ela, Espiritualidade existe nos corações e mentes dos seres humanos em todo lugar, dentro de tradições religiosas ou fora delas. Assim como a emoção, a espiritualidade “tem níveis variados de profundidade e expressão, podendo ser consciente ou inconsciente, desenvolvida ou não, saudável ou patológica, ingênua ou sofisticada, benéfica ou perigosamente distorcida”. Em seu artigo, aponta a necessidade das discussões acerca dos temas serem de caráter exploratório e não definitivo.

Joseph Yosi Amram, Doutor em Psicologia Clínica pelo “Institute of Transpersonal Psychology da Califórnia”, definiu Inteligência Espiritual “como a habilidade de aplicar, manifestar e incorporar recursos espirituais, valores e qualidades para melhorar o funcionamento diário e o bem estar” do ser humano (2007, 2008). Espiritualidade “por si só, se refere à busca por elementos experienciais do sagrado, significados últimos, altos níveis de consciência e transcendência”. Amram desenvolveu sua tese de doutorado sobre a Contribuição das Inteligências Emocional e Espiritual para Liderança de Negócios Eficaz. O artigo que originou as definições acima descreve o desenvolvimento e a validação preliminar de um instrumento de medição ecumênico de inteligência espiritual, o ISIS (Escala Integrada de Inteligência Espiritual). [10]

A autora que mais me chamou atenção foi a norte-americana Cindy Wigglesworth, com o livro “21 Skills of Spiritual Intelligence”, ainda sem tradução para o Português [11]. Seu aporte teórico e prático traduzia de maneira bem objetiva, como efetivamente transformar a consciência das coisas transcendentes e a dimensão espiritual do ser humano em comportamentos e ações. Wigglesworth (2004, 2012) diferencia Espiritualidade de Inteligência Espiritual. Para ela, Espiritualidade é “a necessidade inata do ser humano de estar conectado com alguma coisa maior do que ele mesmo” e Inteligência Espiritual, “a capacidade de se comportar com sabedoria e compaixão, mantendo paz interior e exterior, independentemente da situação”. Em dois TEDs disponíveis na internet publicados em 2014, apresenta o assunto e conta como nasceu seu interesse, de forma leve, divertida e bastante profunda.

A teoria de Cindy Wigglesworth se fundamenta em vasta pesquisa de conhecimento nos campos da Ciência, Filosofia, Psicologia e das grandes tradições de fé, principalmente o Misticismo. O modelo conceitual é neutro em relação a qualquer sistema de crença: ao mesmo tempo em que é amigável para quem professa alguma fé, também o é para quem é ateu ou cético. Foi desenvolvido utilizando esta linguagem exatamente para que atingisse o maior número de pessoas possível, dentro de contextos profissionais variados. O modelo conceitual se relaciona com a teoria integral (Wilber), com a dinâmica da espiral (Beck e Cowan), trabalha com quadrantes, linhas e estágios (níveis). Cada um dos 4 quadrantes trata de um campo, sendo o primeiro o da autoconsciência; o segundo, da consciência universal; o terceiro, da profunda autoconsciência; e o quarto, da profunda consciência social e presença espiritual. Nestes quadrantes distribuem-se as habilidades de Inteligência Espiritual, descritas por Wigglesworth em 5 níveis de desenvolvimento.

Importante apontar que SQ existe em nós como potencial, ou seja, não nascemos espiritualmente inteligentes. É preciso desenvolver a Inteligência Espiritual, como qualquer outra de nossas inteligências. A SQ tende a ser a última das inteligências a ser desenvolvida e na maioria das pessoas está relacionada aos estágios mais maduros de desenvolvimento humano adulto. A realização do Assessment SQ21™ [12] permite saber em que estágio o indivíduo se encontra, pois ele mede os níveis de desenvolvimento em cada uma de suas 21 habilidades. O instrumento é cientificamente validado, foca em habilidades e comportamentos, e com isso, pode ser amplamente utilizado no contexto organizacional e de desenvolvimento de lideranças, além é claro, de desenvolvimento pessoal.

A clareza do conteúdo elaborado por Wigglesworth me mostrou inúmeras possibilidades de aplicação e desenvolvimento. Tal foi meu interesse, que procurei me aprofundar mais em seu trabalho e após alguns meses, me certifiquei em sua metodologia e ferramenta de auto-avaliação. É possível ler mais especificamente sobre isso nestes dois textos aqui no Blog da Choice: Meu interesse pelo modelo SQ21™ e Ponto de Partida: explorando a eficácia do desenvolvimento da SQ [Inteligência Espiritual].

A Choice oferece Consultoria e Treinamento em Desenvolvimento Pessoal e Profissional através de processos de Coaching para Desenvolvimento de Habilidades de Inteligência Espiritual, a partir do Modelo SQ21™ e a partir de teorias de desenvolvimento humano adulto e maturidade de liderança. Os serviços incluem acompanhamento individual e de times, tanto dentro de empresas, quanto de modo particular.


[1] Torralba, Francesc. Inteligência Espiritual. Tradução de João Batista Kreuch – Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

[2] Robert A. Emmons (2000) Is Spirituality an Intelligence? Motivation, Cognition, and the Psychology of Ultimate Concern, The International Journal for the Psychology of Religion, 10:1, 3-26, DOI: 10.1207/S15327582IJPR1001_2

[3] Howard Gardner (2000): A Case Against Spiritual Intelligence, International Journal for the Psychology of Religion, 10:1, 27-34

[4] Gardner, Howard. Frames of Mind: the Theory of Multiple Intelligences.  New York: Basic Books, 1983.

[5] John D. Mayer (2000) Spiritual Intelligence or Spiritual Consciousness?, International Journal for the Psychology of Religion, 10:1, 47-56, DOI: 10.1207/S15327582IJPR1001_5

[6] Robert A. Emmons (2000) Spirituality and Intelligence: Problemsand Prospects, International Journal for the Psychology of Religion, 10:1, 57-64, DOI:10.1207/S15327582IJPR1001_6

[7] Original em inglês lançado em 2000“SQ: Connecting with our Spiritual Intelligence”pela editora Bloomsbury, dos Estados Unidos.

[8] “Spiritual Capital, Wealth We Can Live By”pela Berrett-Koehler Publishers (April 11, 2004).

[9] Vaughan, F. “What is Spiritual Intelligence?” Journal of Humanistic Psychology 2002; 42 (2): 16-33

[10] Amram, Y. and Dryer, C. (2008), “The integrated spiritual intelligence scale (ISIS): development and preliminary validation”, paper presented at the 116th Annual Conference of the American Psychological Association, Boston, MA, 14-17 August, 2007, available at www.yosiamram.net/ docs/ISIS_APA_Paper_Presentation_2008_08_17.pdf

[11] Wigglesworth, Cindy. SQ21: The Twenty-One Skills of Spiritual Intelligence. New York: SelectBooks. 

[12] ©2004 Conscious Pursuits, Inc. Licenciado para Deep Change, Inc. Todos os direitos reservados.